segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Vício de rótulos!


Caros amigos,

Hoje, dia 28 de setembro de 2008, acabo de assistir na TV Globo ao especial 50 anos da Bossa Nova, com as participaçoes de Roberto Carlos e Caetano Veloso cantando as cançoes de Tom Jobim e seus parceiros.

Fiquei profundamente emocionado e maravilhado com as performances detodos os envolvidos no espetaculo: interpretes, musicos, arranjadores, cameras, editores, mas especialmente de Roberto Carlos.

Imaginei o que passava na cabeça desse artista extraordinario. Talvez um filme em preto e branco que começa em Cachoeiro de Itapemirim, no principio, ainda criança, um talento local cantando na radio e TV, a viagem a Niterói, com quinze anos, para começar a escrever uma singular biografia, recheada, principalmente no inicio da trajetoria, de muita solidão, portas fechadas, negativas, sofrimento, decepçåo, preconceito mas de muita garra, disciplina, seriedade, obstinaçao e talento. Roberto, no inicio de 60 cantava na legendaria boite Plaza, no Rio, as cançoes do Tom, e da Bossa Nova, ao estilo do João Gilberto, como todos os outros bossa-novistas,cariocas de classe média alta, que eram profundamente influenciados pelo genio inventor, do bahiano Joãozinho. Roberto não era diferente. Sempre, desde criança, era muito musical e sabia distinguir a musica de qualidade que se produzia então. Quando João surgiu, Roberto se encantou com ele também, mas era um menino de origem humilde, do interior do Espirito Santo, deficiente fisico, caipira e desconhecido. Não foi aceito pela turminha de privilegiados cariocas da zona sul.


E aí eu faço um parentese. O show que assisti agora na TV, não deve ser considerado de Bossa Nova. Isso é um vicio da industria fonografica, do marketing, da imprensa e de seus criticos e colunistas de rotular manifestaçoes de arte para lhe dar substancia e relevancia historica, para tambem, atendendo as exigencias de mercado, criar uma marca para os produtos comercializados: Seçao de Musica "Bossa Nova". Seçao de Musica "Jovem Guarda".Os publicitarios, senzibilizados agradecem, como ficou demonstrado num filme do Banco Itau, que assisti hoje no "break comercial", onde o "Samba de Uma Nota Só", virou um "jingle bossa nova", relacionando a "nota só" musical com "nota só" dinheiro. Será que Tom e Newton Mendonça aprovariam essa "presepada" publicitaria? Mas thats reality, folks e ha aqueles que sem participarem do processo criativo da cultura brasileira, por circunstancias obvias são induzidos e capacitados a "criarem" também. "O primeiro a gente nunca esquece", "o negocio é ter vantagem em tudo", "brahmeiro", "a numero um", "paixao nacional"(ah, benvinda a lei seca...), e outras pérolas da "cultura" midiatica e mercadologica brasileira, que vem sendo esculpidas nas ultimas decadas, colaborando para as conhecidas mazelas sociais desse pais, carente de educaçao, saude e cultura.Da mesma forma que equivocadamente transformaram as deliciosas, contestadoras e criativas comedias cariocas dos anos 70, produzidas em plena ditadura militar, em "porno-chanchadas", e como erroneamente já chamavam de "chanchadas" os genias filmes de Oscarito e Grande Othelo, dirigidos, entre outros por Watson Macedo e Carlos Manga.

A música que eu ouvi hoje na TV, não era simplesmente bossa nova, mas belissimas, clássicas e universais composições brasileiras criadas por Tom Jobim, nosso compositor mais reverenciado e gravado no exterior, muitas delas inspiradas e influenciadas pela cadencia e ritmo do genial João Gilberto. E esses brasileiros são muito mais do que Bossa Nova, representam dois dos maiores nomes da musica brasileira do seculo XX. Estou lendo um ótimo e revelador livro do Zuza Homem de Mello sobre o assunto e não posso deixar de admitir que a turma da "Bossa Nova" era composta por gente muito musical e talentosa, onde eu destacaria a obra de Carlinhos Lira e algumas cançoes de Menescal e Boscoli e dos irmãos Valle. Vinicius De Morais, Baden Powell, Johnny Alf, Silvinha Telles, Milton Banana, Tamba Trio, Os Cariocas, Edison Machado, Dom Um Romão, Tião Neto, Maysa, Alaide Costa, Nara Leão, Claudette Soares, Doris Monteiro, Moacir Santos e João Donato, entre outros, são hors concurs, grandes artistas que não precisam de movimento nenhum para se escorarem. Agora que existe um monte de gente nesse mundão de Deus, com talento e autoralidade discutiveis que tem se utilizado, muitas vezes indiscriminada e abusivamente, desse expediente, dessa catalogaçao, do "genero" Bossa Nova, para, parafraseando Jobim, "fazer um dinheirinho nesse negócio" ah, isso existe!

Roberto Carlos, desprezado pela elite bossa novista, seguiu viajando de fusquinha pelo Brasil, fazendo shows em circos e teatros, até se transformar no icone que é ha mais de quarenta e cinco anos! Uma historia inedita e milagrosa. Nesse especial de hoje, gravado num teatro formado por uma plateia reverenciosa composta principalmente pelas elites cariocas e paulistas, Roberto, jovem e fidalgamente trajado, interpretou lúdica e impecavelmente as canções de Tom. (cinquenta anos depois dos tempos do Plaza... )

Tom Jobim teria adorado. Podia quase se ver a aura, a alma de Tom nos olhos brilhantes e no sorriso de aprovaçao de seu belo e sensivel neto Daniel. Tenho a convicçao também, de que se João Gilberto assistiu, adorou...

A frase melodica de Samba do Avião:"dentro de mais um minuto estaremos no Galeão", milhoes de vezes já cantada, soou na voz de Roberto a mais bonita que ouvi na vida, assim como "Eu sei que vou te amar". Ninguem cantou essa cançao tão bonito. Os seus musicos, ha quem Roberto tem sido fiel ha decadas, foram espetaculares. Destaco Eduardo Lages, que brilhou ao piano, em Corcovado e Samba do Avião. Norival, o baterista, estava em noite inspirada e tocou lindamente. E que maravilha ver e ouvir o piano a quatro mãos, tocado pelo parceiro de toda vida de Roberto, o maravilhoso pianista Wanderley e pelo Daniel Jobim no classico samba, grande divisor de aguas, "Chega de Saudade", que fechou com chave de ouro o espetáculo.

"In my humble opinion", da mesma forma que Roberto transcendeu anos luz a "Jovem Guarda" Caetano também está flutuando ha muito tempo na estratosfera do movimento tropicalista, ou seja, sua bela obra é "musica e poesia caetana", não simplesmente a tal Tropicalia de 68. Na epoca, ainda criança, curtia mais ouvir Roberto e Erasmo Carlos, os Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Donovan, Jimi Hendrix, John Sebastian, Cream, Janis Joplin, The Doors, Chico Buarque, Edu Lobo, Wilson Simonal, Erlon Chaves, Quarteto Novo, Milton Nascimento, Sly Stone, Curtis Mayfield, Ray Charles e Jeff Beck. Mas Caetano sempre foi arrojado, inteligente, criativo e incendiario. Também foi super patrulhado por muita gente, com a velha historia das guitarras eletricas e do "Proibido Proibir", e foi um dos primeiros a reconhecer, com seu faro visionario e "vampiro", o valor artistico de Roberto Carlos, que acabou o influenciando. E Tropicalia era tão Sargeant Peppers e Donovan que enquanto outros exilados iam pra Cuba, Chile, França, etc, Caetano e Gil foram pra London, London...E a turma da Bossa Nova fazia boca torta e beicinho para o novo bahiano, e só viam relevancia na sua musica de cunho bossanovista, dos primeiros tempos, como em "Coraçao Vagabundo" e "Avarandado". Mas, "num sol de quase dezembro", surgiu "Alegria, Alegria...

Hoje Caetano, nesse raro especial, cantou lindo "Por toda Minha Vida" e parecia um chansonier frances na encantadora e expressiva interpretaçao de "O Amor, o Sorriso e a Flor". Até ensaiou uns passos de "samba no sapatinho", que parecia vir emprestado das comoventes cenas do seu unico e belo filme, "Cinema Falado", onde seu irmão dança lindo ao som de João Gilberto.Os craques musicais, entre outros, Carlos Malta, Paulo Braga, Daniel Jobim e toda orquestra capitaneada pelo maestro e cellista Jacques Morelenbaum, pareciam uma "Barca do Sol" navegando pela nossa Pindorama, atraves das belas e eternas partituras de Tom Jobim.

Ter o privilegio de ter assistido hoje na TV aberta a um inédito encontro de dois interpretes da estatura e da envergadura desses dois artistas inimitaveis, me fez pensar em Fellini, Chaplin e Arrelia e nesse uni-verso magico dos solitarios poetas trans-carismaticos, trans-parentes e sensitivos mas profundamente enraizados na sacralidade do artesanal e elaborado oficio de en-cantar, e que prazer enebriante foi contemplar esses dois "clowns", que "são os seres humanos ao avesso", segundo o poeta Antonio Turci, criando, simples e elegantemente, interpretaçoes magistrais e definitivas da obra de nosso mestre soberano, Antonio Brasileiro.


Daniel Taubkin(autor) E-mail recebido hoje de um grande amigo e parceiro musical!

Grande compositor e cantor na história musical Brasileira